Revista Fotoptica Nº 40 - 1970 Biblioteca de Fotografia do IMS - Coleção Thomaz Farkas
TEXTO DE GABRIEL ROMEIRO FOTOS DE EDUARDO LACERDA A câmara começa a rodar. Em primeiro plano, o rosto de Irene Stefânia. Ela está dei tada no divã. Do outro lado, sentado na poltrona, John Herbert. Com gestos delicados, Irene balan ça os braços, mexe nos cabelos, aca ricia o divã: — Ah, morei; eu falo e você ouve até se encher. Quer dizer, eu me es vazio enchendo você. Isso é psicaná lise? Aí o rosto de Irene fica sério e ela segura firme na borda do divã: — O meu negócio é o seguinte: eu gosto mesmo é de cuidar de ho mem. Fazer massagem, fazer cafuné, carinho, gosto de dançar e cantar pra êles. Eu sou meio gueixa ... Estava terminando mais uma to mada do filme Cléo e Daniel, de Roberto Freire. Eu estava ali, assis tindo à cena, porque na hora do al moço recebera um telefonema de Ademir: — Olha, o negócio do filme é hoje. Você aparece às quatro da tar de, OK? Toma nota do enderêço! Ademir é assistente de direção de Roberto Freire. Uns dias antes, êle avisara que ia me chamar para figu rar na cena do consultório de Rudolf, o psicanalista da história. — Você tem uma cara ótima pra isso. Eu perguntara por que. — Por que? Você devia saber me lhor do que eu, que cara de psicana lizado tem de ser de classe A, no mínimo B. Existe muita agência de figurante por aí, mas todos os caras que elas mandam têm pinta de clas se C. Depois, é gente difícil de ser dirigida. É verdade também que são explorados — as tais agências car regam uma baita porcentagem do que êles ganham. Bom, mais isso não vem ao caso. O negócio é que não dá pé. Para essa cena, a solução é catar os amigos. A partir dêsse dia, cheguei a ficar ansioso à espera do telefonema de Ademir. Ia matar dois coelhos de uma cajadada só: assistir uma filma gem e participar dela; uma experiên cia bacana. Quando Irene Stefânia acabou de dizer a frase “ Eu sou meio gueixa", Roberto Freire ordenou o corte e foi para um canto com Rudolf Icsey, o diretor de fotografia e iluminador. Freire falava da tomada seguinte: — A Irene vai ficar deitada de bruços no divã, voltada para o John. A câmara vai pegar o rosto dela de Chico Aragão e Irene Stefania. Daniel e Cléo. (cena do filme) perfil e girar depois para o rosto dêle. Enquanto Icsey e a equipe técnica mudavam a posição dos refletores, e da câmara, Freire já falava com Ire ne e John. Depois, mandou corrigir a- posição das cadeiras do consultório e do copo sôbre a mesa, chamou o maquiador para passar mais base no rosto dos atores e foi ver se a câmara já estava como êle queria. Em 45 minutos estava tudo pronto para os ensaios da nova tomada. 0 ensaio é feito como se a câmara esti vesse rodando: — Atenção! Câmara! Ação! 0 diretor dá a ordem e acompa nha a representação dos atores, sen tado junto à câmara, imaginando ca da movimento desta e a angulação das diversas lentes que vão ser usa das. Depois de repetir o ensaio duas ou três vêzes, Freire volta à filma gem. Irene, primeiro deitada de costas, foi girando sôbre si mesma e ficando de bruços, sorrindo para John: — Meu nome não é Cléo, só, não. Ê Cleonice. Horrível! Qual é o seu nome? — Rudolf... Rudolf Flugel. Irene deu uma risada. — Falou! Consegui! Rudolf é muito fôfo ... Fica sendo Rudi. Pos so fazer o que quiser? E olhou, na expectativa, para John, que se manteve impassível. Ela então virou-se para a câmara: — Posso? A câmara fixou-se em John, que com um ar entre curioso e gozador fêz sim com a cabeça. — Corta! Era Freire, já se levantando para cuidar da cena seguinte. — Onde é que nós podemos ficar? A pergunta vinha de Guilherme, um dos extras. Ê que agora Irene de via andar em cima do divã e a câ mara — sôbre um carrinho — ia acompanhá-la. E nós — os seis extras tínhamos que sair de onde estávamos para dar passagem ao carrinho. — 0 jeito é vocês ficarem na co zinha — respondeu Ademir. Agora vamos precisar da sala tôda. — Estou me sentindo um traste. Era Verônica cochichando com Li li, as duas do nosso time, o dos ex tras. Até ali, não tínhamos feito nada a não ser acompanhar a movimen tação da equipe de Freire. Afon so, outro dos nossos, mais fami liarizado com aquelas coisas, volta e meia arriscava um comentário, com pinta de entendido. Guilherme, que estuda Comunicações, na USP, era mais curioso e queria saber de tudo. Tinha ouvido alguém falar em lente “ zoom ” e foi perguntar a Icsey o que significava. O velho diretor de foto grafia respondia pausado e metódico, como um catedrático: — Existem lentes de vários tipos, desde as grande-angulares até as te leobjetivas, passando pelas médio-an gulares. As grande-angulares são aquelas que a curta distância atingem um campo maior. Se a gente vai fil mar num quarto pequeno, por exem plo, e quer pegar todo o quarto, tem de usar êsse tipo de lente. As teleob jetivas estão no extremo oposto. Têm uma angulação muito pequena e ser vem para fotografias a longa distân cia. Quanto maior é a angulação da lente, menor número de milímetros ela tem. Aqui para o filme, estamos usando lentes desde 18 até 250 milí metros. Agora, a zoom, é um sistema de lentes de angulações diferentes. Serve para a gente ir mudando o tipo de lente enquanto está fazendo a to mada, como se a máquina estivesse se aproximando e se afastando das coisas, quando na realidade ela não saiu do lugar. Nécia, a última extra, arriscou uma 21
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