Revista Fotoptica Nº 40 - 1970 Biblioteca de Fotografia do IMS - Coleção Thomaz Farkas

Icsey e Guilherme, junto da má ­ quina — uma Arriflex alugada na Escola Superior de Cinema de Belo Horizonte — ficaram alheios à sirene e à chegada de Aragão. Icsey tirara uma peça da máquina, uma pequena moldura, e explicava: — Isto aqui a gente chama de máscara. Ela tem as mesmas propor ­ ções da tela panorâmica e serve para cortar o filme no tamanho exato. É a primeira vez que uso isso. Aliás, acho que ninguém ainda usou nc cinema brasileiro. E, no entanto, é um negócio muito prático. Porque a tela panorâmica é mais comprida e menos larga do que as telas normais. Então, quando a gente filma sem máscara, tem que estar sempre to ­ mando cuidado com o enquadramen ­ to, para os personagens não apare ­ cerem depois com as cabeças corta ­ das. E êsse é um risco que se corre o tempo todo. As caras de cansaço, o ambiente com ar de fim-de-festa, comecei a achar que, depois de tudo, acabaría ­ mos nem filmando. — Não! — disse Ademir — Tem que ser hoje! Alugamos esta sala por um dia e temos de acabar de uma vez com tôdas as filmagens do con ­ sultório. — Então vocês não vão filmando na sequência da história? — pergun ­ tou uma das meninas. — Ê claro que não; seria um des­ perdício enorme de tempo. Um cor ­ re-corre sem fim. A gente vai filman ­ do conforme os locais. Chega num deles e filma tudo o que se passa ali, mesmo que uma parte seja do comêço e outra do fim da história. Depois da filmagem, monta-se tudo certinho, cada parte no seu lugar. Chico Aragão, o Daniel, que é es ­ treante em cinema, dava sua contri ­ buição para levantar os ânimos: — Vocês estão passando por isso só hoje. Mas já pensaram em mim. que passo todos os dias? E quando a filmagem é na rua? É pior ainda. De repente, tem que parar porque o céu ficou encoberto. Aí, tem que es ­ perar um monte de tempo, às vêzes dias, para ter outro céu igual, isto é, que dê a mesma luminosidade. O povo, então, é de morte! É só parar a câmara na rua que junta gente. Há sempre um policial conosco porque tem gente que se mete na frente da máquina, fica dando adeuzinho, fa ­ zendo micagem. Também, é a pri ­ meira e última vez que faço isso. Não dou pra coisa. De jeito nenhum. Finalmente chegaram as latas de filme, e tudo estava pronto para re ­ começarem os ensaios, mas Irene su ­ mira. — Saiu pra telefonar — explicou alguém. Chico Aragão aproveitou a chance para continuar no desabafo; — Essa é uma chata. Outro dia, numa filmagem no túnel da Nove de Julho, me arrebentou todo. Tinha que me arranhar o peito. Podia bem dar uma disfarçada, como todo mundo faz. mas aproveitou para se vingar de alguma coisa que eu não sei qual é. Rasgou minha camisa e deixou meu peito sangrando. Mas estou esperan ­ do a cena final; aí eu desconto. Vou ter que agarrar no peito dela, e aí é que vamos ver. Nessa hora, Freire olhou para nós. os extras, com ar de preocupação: — Vocês não conhecem ninguém com cara mais velha do que vocês? Verônica ainda tentou se lembrar de alguém que pudesse ser encontra ­ do àquela hora, mas parou quando percebeu que o diretor, já cuidando de outra coisa, não estava mais preo ­ cupado com a pergunta que havia feito. Irene de nôvo sôbre o divã, o cor ­ po meio levantado, exatamente na posição em que terminara a tomada anterior. Continuou a se levantar, até ficar de joelhos: — E agora? — Você vai embora — respondeu John. — Você não precisa de mim, Cléo. Você não precisa de psicaná ­ lise. Irene ficou de pé, na frente dêle: — Quer dizer que não sou tão goiaba assim? Mas eu gostei. Queria voltar aqui, papear com você. .. John deu um passo em direção à porta. — Não, aqui não. Irene postou-se de nôvo à sua fren ­ te, olhou fixamente o seu rosto: — A gente podia ficar amigo ... Quando sentir vontade posso te pro ­ curar? John concordou com um gesto e ela continuou: — Então você gostou de mim? Olhava ternamente para êle. John chegou a mão ao ombro de Irene, ela transfigurou-se de alegria e ia en ­ costar o rosto na mão dêle quando êle se afastou. Ela então mudou ime ­ diatamente de expressão, passando da ternura para a decepção — a câ ­ mara focalizando-a em cheio. Chegara a nossa vez. A máquina voltou ao tripé alto. Não haveria propriamente um ensaio. O diretor vinha a cada um e dizia que tipo de expressão devia fazer. Um tinha que piscar e ficar passando a mão pelo rosto. Outro, soltar lágrimas, à custa de colírio. Eu ficaria balançando a cabeça e respirando com dificuldade. E assim por diante. A gente ia, um a um. deitando no divã e fazendo, o que Freire mandava. Quando êle achava que estava bom, dava ordem para filmar. E cinco segundos depois, cortar. Em média, não passamos mais de dois minutos cada um no divã. Quando tudo acabou, eram dez da noite. Ficáramos 6 horas naquela sa ­ la, para filmar 5 segundos. Mas eu não podia reclamar. Afinal, queria matar dois coelhos numa só cajadada; estavam os dois mortos. Sobrava uma última curiosidade. Na saída, pro ­ curei Ademir: — Então, quando é a montagem? — Primeiro tem que fazer a du ­ blagem. As falas, você sabe, não po ­ dem ser gravadas na mesma hora da filmagem por causa do barulho da câmara. Depois da dublagem, vem a sonorização — é quando se põe a música e os outros ruídos no filme: barulho de passos, de coisas caindo, de automóveis, tudo. Depois disso, é só pôr aqueles letreiros na frente e o filme está pronto. — Sim, mas a nossa cena, a dos extras, será que saiu direito? — Eu acho que sim. Mas tem uma coisa que eu preciso prevenir logo: pode dar a doida na cabeça do diretor e êle acabar achando essa parte desnecessária. Aí, não tem jei ­ to. Êle corta e joga fora. NI KKORMAT FTn é a camara que participa da versatilidade do Sistema NIKON. Nikon - Anúncio Publicitário

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