Revista Fotoptica Nº 40 - 1970 Biblioteca de Fotografia do IMS - Coleção Thomaz Farkas

MAMÃE FOTOPTICA Como Mamãe deu a luz mais um fotógrafo N ão era a primeira vez que Mário entrava no Depar ­ tamento Promocional da Fotoptica. Ao contrário. Há 5 anos, desde que che ­ gara do interior e come ­ çara a trabalhar como auxiliar em um laboratório de foto ­ grafia, pelo menos uma vez por se ­ mana dava uma passada por lá. Mas, naquele dia, via tudo aquilo com ou ­ tros olhos; tripés, lanternas, relógios, baterias, máquinas, objetivas, flashes, marginadores, cortadeiras, balanças, tanques para revelação, refletores, ampliadores, tudo. É que Mário vi ­ nha da rua com uma decisão — ia montar seu próprio estúdio de foto ­ grafia. Seria fotógrafo de modas. E queria conversar s e riamente com o gerente. Francisco Cuencas, o gerente, fa ­ lava com um cliente. Quando o clien ­ te se afastou, Mário sentou-se e foi direto ao assunto. O gerente sorria de satisfação enquanto Mário falava. Em seus 17 anos de Fotoptica, Fran ­ cisco Cuencas vira um sem número de amadores se transformarem em grandes profissionais, mas a cada nô ­ vo caso vibrava, como se participasse de uma descoberta. Aliás, já há algum tempo, começara a achar que Mário estava preparado para ter o seu es ­ túdio. — Está bem Mário. Você sabe que aqui a gente até ensina fotogra ­ fia para quem quer aprender. Mas não é êsse o seu problema. O que é que você precisa realmente? Francisco Cuencas acha que o grande segredo do sucesso do De ­ partamento Profissional da Fotoptica está na qualidade humana de sua equipe; na capacidade que os funcio ­ nários têm de fazer amizade com os clientes. Isso para êle tem um nome: sabedoria. Com ela e com uma longa experiência, Cuencas e seu pessoal elaboraram algumas regras de traba ­ lho. A mais importante é que cada cliente tem que ser atendido de um jeito. — Êles são muitos — diz Cuencas — uns quatro ou cinco mil por mês, e não é pelo fato de serem todos fo ­ tógrafos que são iguais. Para come ­ çar, há uma grande divisão: amado ­ res e profissionais. Os amadores vão desde o rapaz de 15 anos que chega ao Departamento só sabendo mexer em máquina-caixote, até o homem sofisticado para o qual a Fotoptica montou um laboratório completo. E os profissionais se dividem em vá ­ rios grupos, já que há vários ramos da fotografia profissional — desde os lambe-lambes de jardins públicos até os médicos, dentistas e outros profissionais liberais que utilizam a fotografia em seu trabalho. Sem fa ­ lar que em cada ramo há profissio ­ nais dos níveis mais diversos, desde aquêles que batem chapas só para ganhar dinheiro até aquêles que se preocupam antes com o resultado artístico. Por isso a preocupação de Cuen ­ cas e sua equipe é conhecer pessoal ­ mente — e bem — o maior número possível de clientes. O problema de Mário, por exemplo, êle já tinha identificado: — Mário, você já tem um lugar Neste departamento da Fotoptica nasceram, cresceram e se proje ­ taram muitos nomes importantes. É o Departamento Profissional. para montar o laboratório? — Tenho. — Então não há nenhum proble ­ ma. A gente empresta todo o mate ­ rial e você vai pagando aos poucos, começando quando puder. Duvido que passem dois meses antes de vo ­ cê trazer a primeira prestação. O gerente estava convencido de que o rapaz poderia se tornar um grande profissional. E quando é as ­ sim, êle faz tudo para ajudar. Azar seria se depois de dois meses do empréstimo, Mário não tivesse con ­ seguido nada. Mas Cuencas nunca tinha sido traído por sua sabedoria e experiência. Mário é que tomou um susto. Gos ­ tou da proposta, mas não ficou intei ­ ramente tranquilo. Era um grande desafio. Tinha chegado ao Departa ­ mento pensando num plano de inde ­ pendência a longo prazo, e de re ­ pente lhe propunham que ficasse independente em dois meses. Parecia demais, mas êle resolveu topar a pa ­ rada. Sabia que a Fotoptica tinha todo o material de que precisava. Lá estava nas vitrinas a melhor linha de produtos profissionais: o tripé Gitzo, os relógios Time-o-Lite e Grab-Lab, a objetiva Rodenstock. as máquinas Hasselblad e Rolleiflex, as câmaras Linhof, Sinar e Graphic View e mui ­ tos outros. Mário conhecia também o serviço de assistência da Fotoptica: de dois em dois meses, um representante vi ­ sita cada cliente para mostrar tôdas as novidades. Sabia ainda que êsse serviço atende a quase dois mil pro ­ fissionais. Além disso, se falta algu ­ ma coisa no laboratório — papel, filme, revelador etc. — , basta um te ­ lefonema para que em poucos minu ­ tos o material seja entregue em mãos. E se algum profissional quer experi ­ mentar um produto antes de comprá- lo, a Fotoptica empresta. E até gosta de emprestar. Porque depois vem to ­ do o pessoal do Departamento per ­ guntar o que é que a gente achou, se o produto é bom mesmo, se tem algum defeito. Quando Mário saiu, disposto — mas ainda com mêdo — a ser um fotógrafo de moda, sua tentativa co ­ meçou a ser acompanhada por todo o pessoal do Departamento Profissio ­ nal da Fotoptica. Tôda semana Má ­ rio aparecia atrás de filme, papel e material para revelação. Da primeira prestação, porém, não vinha nem pro ­ messa. Mário trabalhava sem parar, mas não conseguia se firmar. Tam ­ bém não sabia o que dizer na Fotop ­ tica a respeito do pagamento. Nas reuniões semanais do Departamento, seu caso começava a ser discutido. Muita gente achava que a “ sabedo ­ ria" do gerente tinha falhado pela primeira vez. O próprio Cuencas já não estava muito seguro, quando pas­ sados mais de dois meses de emprés ­ timo, Mário desabafou: — Olha, eu não tenho jeito não. Vou devolver tudo e voltar a ser em ­ pregado. O material que eu gastei e que não posso devolver, vou pagan ­ do aos poucos. Mário estava arrasado e Cuencas ficou tocado: — Vamos conversar um pouco. Por que é que você não ganhou dinheiro? Mário começou a falar, mas a con ­ versa não acabou ali. No fim da tar ­ de. os dois saíram juntos da Fotop ­ tica. Na manhã seguinte, o gerente chegou à loja com os olhos verme ­ lhos e inchados, apenas para dar um aviso ao seu auxiliar direto: — Aguenta a mão aí que eu vou para casa dormir. Volto depois do almoço. — O que você andou fazendo du ­ rante a noite? — Fiquei conversando com o Mário. — E o que é que vocês resol ­ veram? — Resolvemos manter o emprés ­ timo por mais tempo. Mas fiquei até agora com êle porque acho que des ­ cobri o problema e estava dando uma mãozinha. — E qual é o problema? — Acho que é mulher. Veja só! Um fotógrafo de modas com mêdo de mulher! Bem, eu não entendo de psicologia. Só sei que falamos de mulher o tempo todo, e quando nos despedimos êle era outro. * * — Esta história é verídica, tendo sido trocado apenas o nome de um personagem — o fotógrafo — que, aliás, hoje está es ­ tabelecido e tem seu nome entre os nossos melhores fotógrafos de moda. 26

RkJQdWJsaXNoZXIy NjEwNjAz