Revista Fotoptica Nº 85 - 1978 Biblioteca de Fotografia do IMS - Coleção Thomaz Farkas
CLAUDIO EDINGER Seu trabalho. Sua carta. Saí de lá chateado. Sabia quando vim que iria ser muito difícil conseguir alguma coisa aqui. Mas no fundo não queria acre ditar muito nisso. Tinha ido ao ICP com grandes esperanças. Um lugar sério que ainda acredita em fotojornalismo. As outras galerias estão mais interessa das em trabalhos que vendem, o que não é muito o caso de fotojornalismo. Quando o ICP deu o não, fiquei sem rumo. Depois de parar e pensar com calma o que fazer, vi que a única solução seria co meçar um outro trabalho regional, só que agora de Nova Iorque. Pesquisa daqui, investiga dali, vim parar com os judeus ortodoxos na cabeça. Isto é, não havia nada decente publicado sobre eles e afinal um grupo que não assiste TV, não anda de carro e anda sem dinheiro no bolso pelo menos um dia da semana (no sábado), vai contar sempre com a mi nha simpatia. É claro, minha curiosidade em ver como a vida dessa comunidade tão estranha fun ciona por dentro foi outro motivo. Além de tudo não há nada mais regional, típico de Nova Iorque que um judeu (com três milhões deles, esta cidade tem mais ju deus que em todo o Estado de Israel). Acredito que um artista digno do nome tem que ter um ideal ao qual é fiel. É esse ideal que move a mão no momento exato e que faz o cavalo virar trator quando é preciso. Meu ideal está na luta contra o preconcei to. Preconceito que afasta as pessoas de uma vida melhor e da compreensão do que afinal é este universo em que a gente vive. Foi contra o preconceito que eu entrei no Edifício Martinel li (considerado na época um super prostíbulo, residência de bandi dos, prostitutas e homossexuais e que na realidade era habitado na sua grande maio ria por trabalhadores). E foi contra o pre conceito que resolvi definitivamente foto grafar os ortodoxos. Me impressionou o fato de que estes judeus são mal vistos até por outros judeus. Aluguei um apartamento no Brooklyn, num bairro só de ortodoxos, uma espécie de gueto, e o trabalho começou. Demorou um pouco para ganhar a confiança deles. Depois que você é perseguido no seu país de origem, como a maioria foi, confiar num estranho, com uma máquina fotográfica na mão, é quase impossível. Mas depois que esse estranho lhe dá as fotos que tirou de seus filhos e família, a coisa começa a ficar diferente. E se esse estranho se veste com moderação e respeita suas festas e dias sagrados essa desconfiança desapa rece. E assim foi indo. Fui-lhes dando as cópias que não utilizava. Depois de seis meses já conhecia o grupo todo. E era fre qüentador assíduo de festas, casamentos e sinagogas. Fotografava tudo e revelava no banheiro do meu apartamento. Quando o trabalho já estava bem desenvolvido, fui fazer uma visita (depois de vários telefonemas) a Philippe Halsman, o célebre fotógrafo ame ricano, que fotografou mais de cem capas para a revista Life. Mostrei-lhe o trabalho. Ele elogiou e fez algumas críticas. Disse que tinha certeza que um amigo dele iria se interessar muito. Estava indo visitar o amigo de Halsman, nenhum outro que Cor nell Capa. O Capa, charuto nos dedos, foi muito gentil. Criticou o trabalho e disse que tinha muito ainda a ser feito. Eu respondí que sabia disso e que estava lá justamente para isso. Precisava de alguém que comentasse e ajudasse na seleção das fotos. Um fotó grafo brasileiro, padrões estéticos de bra sileiro, com olho de brasileiro, tem muito pouca chance de agradar os editores de arte americanos, infelizmente. É preciso que alguém de dentro do processo dê uma mão. O Cornell disse que era um homem mui to ocupado e tal, mas que o Michael Edel son daria conta do recado. E de fato. O Michael é editor contribuinte da revista de fotografia Camera 35 e tem um olho afia do e senso crítico que me ajudaram pro fundamente. O Cornell me ofereceu outra bolsa de estudos, para que eu pudesse fa zer o curso do Michael, chamado “ The Language of Images", e eu aceitei. A essa altura os judeus já estavam quase me ele gendo para rabino. Afinal já estava moran do por lá há quase um ano e conhecia bem o dono da mercearia kosher da esquina até o advogado, um senhor distinto de fala macia que tratava de assuntos de imigra ção para eles. Meu senhorio era um deles, o Mr. Winter. O alfaiate que consertava minhas calças, um velho com a barba tão branca quanto sua camisa e que ia todo dia rezar na sinagoga, também. Eu era semi- efetivo da comunidade. Me convidavam para jantar na sexta-feira à noite (que é quando começa o Shabat), para todos os festejos e o peixeiro queria me casar com a filha dele. O tempo foi indo, fiz inúmeras tentati vas em galerias, revistas e nada. Era dor mir com um “ não" atrás do outro. A difi culdade para um fotógrafo jovem e desco nhecido é imensa. Todos esses editores de revista, curadores de museus e galerias, vêem às vezes mais de dez trabalhos por dia, sabe-se lá quantas mil fotos por mês. Tenho a impressão que eles se cansam visualmente de uma maneira até perigosa. Chega uma hora, eu penso, que nada mais interessa e que pegar os velhos nomes de sempre, seja para imprimir ou expor, além de ser bem confortável é a única solução “ criativa" que encontram. Até que um dia, para contradizer minhas críticas, toca o telefone e é do ICP: “ Que você acha de expor suas fotos aqui?" vem a pergun ta. “ Não sei não ” fiz eu charme do outro lado. Mas não por muito tempo. Quase dois meses depois a exposição se inaugurava, num domingo à tardinha. E agora? Agora é ver se eu encontro uma editora interessada em publicar o livro so bre os judeus que eu estou completando. E é também levar o portfólio para as agên cias e revistas. Afinal as revistas Life e Look estão aí de volta e com elas grandes oportunidades. 15
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